Thursday, November 06, 2008

Dizem que quando ela acorda sente o peso do mundo que a adormeceu. Das rosas no canteiro já murchas, das marchas de carnavais já silenciosas, das mechas de cabelos já perdendo sua cor jovial. De tantas coisas de sempre, que quase sempre lhes pareceram coisas sem importância, mas agora as percebem enquanto desacorda e até sente falta. Quando mentia, confundia com verdade cada palavra, e jurava a todos que jamais mentia. Sua verdade era burra e ingênua, era pouco social também.
Dizia que os dias de chuva eram quentes, tão forte se enrolava nos lençóis, formando um ninho de si e de seus medos. Jamais quis estar na chuva para se molhar. Criou-se seca e intocável. Certo dia viu passar na rua uma criatura de olhar tão brilhante, que nele reconheceu uma constelação, e daí por diante carregava dentro de si um planeta, cuja órbita ela não sabia quando veria novamente passar, mas sentia que a deixava tonta, só de pensar.
Dizem que quando ela ama, surta. Finge-se de cega, de perdida, não dá ouvidos a mais ninguém, que não o amor que a escurece, que toma sua bússola e rouba sua música mundana. Já nem dança, seus pés sequer obedecem, apenas corre para os mesmos braços, não anda. Quando um amor desses chega ao fim, a vida a desengana. Seu coração padece, o que há de mais doce nas frutas proibidas torna-se amargo e os pães sobre a mesa apodrecem. Não se alimenta de coisa alguma, e logo flutua de sobre-morte. Pessoas juntam votos para que sobreviva e então ela acorda, alimenta-se de si e aos poucos sente de novo o peso do mundo que a adormeceu. Tão bom é dormir. Sonhar acordada nem é. Isso a deixa tão leve, que nada a prende. Perde seu equilíbrio com a altura dos sonhos, e cai como se fosse o próprio muro que a divide. Ela tornou-se construção, mas retornou ao estado de pedras. Alguém a pega e arremessa no lago, vê-la pular e afundar seu corpinho de matéria perene sob os lençóis freáticos, molhados dos dias de chuva. Seu ninho a nasce, breve como um cochilo. E tudo o que há, ganha importância em seu mundo. Assim dizem. - KP.

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