Tuesday, November 04, 2008

Quando ela acreditava em amor, sabia falá-lo, cantá-lo bem. Escrevia o que sentia e não o que via acontecer. Não era amor descritivo, nem narrativo. Era amor poético e pausado. Sensitivo e predisposto a tudo. Passeava em idas, voltava renovado. Servia quente no prato, roubava para alimentá-lo. Era amor prático e óbvio, dos dias que surgem, de alguns que se desgastam. Quando ela acordava, sentia o cheiro do amor, nas roupas, na voz insone, sentia o amor nos cabelos despenteados, nas mãos macias, na pele de toque adormecido e principalmente sentia o pensamento morar num só nome. O abrigo dela; e não só dela, mas de toda a extensão por onde se criava, cada acre. Ela acreditava que amor não durava em memórias, mas em lapsos. Era o maior segredo do depois, presente que o sol trazia na manhã seguinte, protegido até a quebra do lacre: um “bom dia” sonolento, apenas olho no olho. Acordou o seu amor, mais um milagre.
Jurava pra si mesma que o amor que tinha, não era mistério nem era vestígio. Não dava sinais do quê o formava, mas transformava-se com malícia em presságio. Era assombroso. A sombra que dava, a luz que absorvia, já quase um ser vivo o amor se enraizava.
Mas aos poucos, o amor foi tornando-se palavras. Proferidas em vão, para feridas rasas. Ia se aprofundando e em algum momento, não mais lhe parecia dádiva. Corações ao avesso, e cada página perdia seu verso. O amor ficou pálido e sem grafia. Virou sopro. Pássaro sem asa. Caminhava somente à margem e nem mais sonhava. Fossilizava-se na lágrima. Deu de ombros, nada mais o sustentava. Um êxtase do fim.
Quando se lembra do amor, esquiva-se no tempo. Sente enjôo da dor que lhe traz, tantas lembranças ainda recentes, ganhando a cor sépia. Era chama, agora é fuligem. Ela se desfaz do amor que jaz. Do corte que vive a enxaguar, para que estanque, que pare de jorrar a seiva. E a limpe, para outras crenças. Que não o amor.
Acredita talvez, apenas na sua vertigem. O amor de passagem. Uma neblina. De certo trará outra visão, quando passar. Ela até diria que amor é uma miragem.

[Acaso]

Levanta a pálpebra. O que acreditara sofre com a maresia. É água-viva. Seu impulso flutuante. E volta ao amor, ainda que discretamente. Talvez ainda desacredite e pense diferente. Mas olhem-na: ela ama novamente.

Quer pense diferente sobre o amor, quer sinta diferente o mesmo sabor. Desconfia que dois a dois juntos não formam um só. Mas um cardume. Multiplica-se no interior sem medo ou arrependimento. Amor fácil e leve, não se perde e nem termina, já nasce escasso. Da raridade que é, transitar entre “quando era” e “quando for”. O amor acreditava nela, quando era. E ela, acreditará no amor enquanto for.
KATE POLLADSKY

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