Monday, November 03, 2008

O seu ar me agride. É seco, denso, pendendo pra si. Um tanto confuso e despreocupado, que despreza, ou que inconscientemente dispensa. Mas algo em ti é agridoce. Algo de sua essência me capta, e logo em seguida, me captura. Existe uma leveza sua que pesa nos meus olhos, sua natureza flutua. É tão delicada, mas quando pousa em mim, por acaso, me corrói. Vai me descontruindo. Como uma onda rasteira atrás da outra batendo num castelo arenoso. A primeira devasta, a segunda vem desconfiada e a última, fraca e tímida. Depois volta, arrastando-se de grãos.
A sua voz intimida. É imposta, é suposta. Tão curiosa de sonoridade que quase é pergunta. E é o próprio complemento, uma resposta. Quer ser sábia num tom leigo, simples. Sarcasticamente castiga, engana e mede. Como se fossem seus próprios olhos encara. E assim sua voz prepara seu berço pra o que quer ouvir. Já ganha mimo, ou um ninar debochado, gosta de adormecer assim.
Seu olhar é antipático, hierárquico, atípico. Adapta-se ao que vê, embora não goste. Quando assim, coloca o que for de canto; como se já não servisse. E a vista limpasse. Poderia escolher estar ou não estar presente. Mas seu olhar não foge, porque não é covarde. Nem fica porque é inquieto. Simbolicamente é um olhar acolhedor, colhido da castanheira. Ele é assim meio doce-mel, meio mundo e meio madeira. Por vezes, o noto meio radar. Nunca presenciei meio perdido o seu olhar. Nem mesmo ao meio, dividido entre uma coisa e outra. Decidido demais, não a deixa olhar pra trás. Fecha seu panorama em ângulo agudo. Invejo a paisagem que no seu olhar pousa.
O seu gesto é acanhado. É cabível e é cabide. Pendura-se no ombro daquele com quem compartilha a mesma linhagem de passos, ou naquele com quem perdurou um instante.
É um gesto miniatura. De identidade formada, decidido das superfícies. Gesto de meticulosidade, de firmeza bruta. Gesto escorregadio, desorientado ou plácido. Dependente do gestor, do maestro que o toque, que o leve, que o guarde por merecimento. O seu gesto é eterno, exatamente naquele momento. Doura o que toca com a pele.
Os seus traços, todos eles significam. Todos eles permanecem e são notados. Traços vivos, que não existem apenas para si, por estarem ali como seus pertences básicos. São traços artísticos, desenhados a partir do seu eu imperfeito. Traços seus que esboçam algo a mais, até menos do que gostaria. Alguns ficam descontinuados e descrentes, mesmo assim são eles que crescem acompanhando suas beiradas e bordam o tecido que veste sua pessoa. Isso de unificar os todos seus, teve de nascer todo de uma vez só. Das coisas que não se encontram de outra maneira em outro alguém. Porque cada coisa sua, é única. E o seu tudo, também.
Kate Polladsky

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